quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Gomos de saudade




Alguns pedaços em Madalena são como gomos de uma laranja, onde o suco escorre como se o mundo fosse um espremedor agressivo e impiedoso. E é. Ela deixa escorrer o medo e se desfaz em voltas que as rimas formam em sua cabeça – há ventos no céu da boca quase insuportáveis de administrar, ela comanda os próprios furacões e nada posso fazer aqui de fora, já que todas as suas falas pronunciam o nome dele. Anda sozinha, sorri sozinha e as vezes até é monstro sozinha: cada passo é em falso e um precipício chamando o outro, conta estórias que não quer esquecer. Não pode reativar os laços porque na verdade, tudo nela é o contrário e desliza desejos, mas se inspira na falta e a palavra dele é cântaro suave naquela janela. Gosta de ler o moço quando a saudade é poesia concreta ardendo na boca.

Madalena cansa das escolhas que faz e mete o verbo no chão com medo do que é possível, como se isso fosse cacos de idéias e relatos de uma paixão. Todas as palavras se ressentem da inspiração que só ele lhe sussurra. (E quando voava ao lado dele, nunca a inspiração foi tão farta e a alma tão leve nas promessas dos beijos futuros).

Ela finge que nem lembra, mas cada vez que olha, o atrás é seu espelho e pesadelo. A boca dele em concha é o alimento tátil e a sua prestação mais sofrida. Quando o amor resseca na boca, é necessário antibióticos fortíssimos para sarar as ausências. Não sei como sobreviveu sem estrelas até agora. 

Quando caminha, a volta é o frio e todas as portas traduzem gritos, quem é ela para compor o intervalo e pedir que ele olhe o retrovisor? O que sinte já nem faz eco, e a letra que soletra já não escreve o nome dele porque esqueceu de suas vogais. Uma lacuna e um verso não escrito, milhas e milhas de rimas que tentou compor e era cara aquela falta. 

Há curvas no tempo e todas as vezes que tenta, o soneto é tempo no verbo passado, que bem podia ser perfeito. 

(Uma roda de amigos, conversas ao vento, o pensamento nela, e o moço sentado na frente da televisão compunha uma novela que nunca teria final, muito menos feliz. Esqueceu que não sabia inglês, e o The End ficou sem eco, pixado no muro em frente ao hotel). 

Madalena se ressente do que não viveu e a sua alma soletra a poesia rota que o tempo atropelou e marcou a carne viva.

Toda vez que canta pensa no ontem. E cada vez que grita, as paredes de sua pele reeditam o dia em que, o que não volta, faz sombra pela eternidade. Nunca esquecerá que no abraço descobriu outros mundos e outras paisagens invisíveis. E isso será imputado em sua culpa para o sempre. E o presente dado, não pode ser devolvido, porque já pertence ao cenário do pesadelo.

Prefere as cenas, reescreve os diálogos: toda a falha é síntese que ela não consegue reemprimir páginas arrancadas bruscamente de si. O livro é antigo, e a história sempre começa pelo fim sem direito a reprise de inconseqüências. Ainda bem que o beijo quando nunca, repete-se no final.

Madalena tem sonhos em vantagem e toda intenção é o receituário de escolhas. Sabe o que faz todas as vezes que volta. E a essa despedida arranha na pele como viagem sem volta – o bilhete é só de ida e o destino, incerto.

- os cachos em seu cabelo são como maçãs desse rubor facial. liga o play e tudo lhe revira o estômago e vomita o morno.

Em todos os dias em que não se desenha na fita, Madalena é angústias de uma alegria passada. Não se pode condenar o tempo por promessas não pagas. 

3 comentários:

Julia disse...

muito forte seu texto.
parabéns.
lindo!
toda a sinestesia explicada instintivamente na pele de quem lê...
beijos

Dira disse...

Obrigada, Júlia. Eu escrevo porque não posso gritar. rs Já tentei postar no seu blog e não consegui. Volte. Leituras alimentam a nossa fome de escrever. Beijo.

Taís Morais disse...

Melzinha, como sempre seus textos mexem comigo! Madalena arretada!

beijos