segunda-feira, fevereiro 27, 2012

A visão do início


 

Um anjo bateu em minhas asas, tocou uma música suave, lambeu minhas feridas abertas, num amor escatologicamente meigo e disse, levanta, abre as portas, que o amor só merece o amor, e a vida que escorre em lágrimas pelos teus olhos, ainda verá grande luz após as montanhas da tua tristeza. E eu, cambaleante, olhei para trás e não te vi. E por pouco não virei estátua de sal. E o anjo, segurando a minha mão, fez-me respirar fundo, como se a suportar a visão dos tempos que viriam a acontecer, colocou-me sobre a Pedra de uma rocha e disse: olha, o essencial, virá das nuvens, nos azuis que tanto esperas e trarão a verdade, a maturidade e a consciência de que tu és, apesar de todas as coisas. E eu te amo. E tu me és. Porque te sei. E nada mais importa.


Estendeu as mãos para outra direção de onde vi um grande mar se abrir, surgindo no meio uma grande mãe de tetas fartas, que me disse, vem. E ela era poesia concreta, e dos seus seios saiam palavras de vida que escorriam como se fossem água saindo de uma mangueira. 


E eu ainda olhei para o anjo e ele tinha a voz de Madalena. Ele que é ela...me tomou nos braços, enquanto eu me desfazia em ondas, e acalentou-me, mostrando-me as pérolas no meu peito e dizendo, não solte-as aos porcos. Fechou minha mão como em concha e abarcou meu coração e me deu fôlego novo.


Mais suave, procurando um chão para pousar. Imaginei que o amor perdoa, e tem os olhos cegos para os erros dos outros, mas o ódio mata e esse, o anjo apertava entre as mãos como um raio e sacudia-o para o fundo do mar. Eis que repente, vejo um dragão lindo sair de dentro das águas e curvar-se diante de mim, oferecendo-me os ombros, pegando dos meus ombros todo o peso, e a indiferença dos dias. Com uma voz de um pássaro, ele me disse, vem. E eu me senti subir sobre as suas costas e já não era eu, mas um soneto de encantamento que terminava o seu ciclo e via-se naquele que foi, sem deixar marcas.


A dor, que o amor tatuou na pele, o dragão sarou. E eu me vi flutuar, na música que o anjo tocava suavemente. E abri as mãos para receber a vida, enquanto ela ainda estava alí, aberta a mim, louca para tocar a minha boca.


Sorri para ele. E como espelho, o dragão era eu, e o precipício era eu, e os meus medos, os medos dos outros, e o desejo era meu e a vontade de viver era minha e eu não podia passar para ninguém, até que o dragão cortasse as nuvens e me levasse para outra ilha. As vontades eram minhas, e as culpas, o espelho do outro. E o lixo já não era, já que a liberdade se moldava em mim.


Quando voltei à terra. Não vi ninguém chorando sobre o meu túmulo, nem amigos, nem inimigos. Mas vi o anjo, sorrindo, me entregando um livro, onde dizia que o verdadeiro amor fecha os olhos e mergulha. E eu amei o anjo, mas amei a mim mesma, pela capacidade de flutuar quando a dor suplanta a vida.


Não precisei dizer-me partir, porque eles estavam alí, sem que eu precisasse pedir. Dos meus olhos que olhavam o nada, e dos meus desertos completamente dispersos, revi uma poesia seca e não quis mais chorar.


(Quisera eu, nunca lamentar um amigo ido. O que é fato, nunca vai, sem nunca ter sido. Porque eles se vão, quando nossas faltas ferem o seu coração e os deixamos sozinhos. Caminho sobre ossos secos que me esperam no sopro, na simplicidade de dar, sem nunca se importar com o que vem depois. Com o amor, eu fecho os olhos e pulo. Nunca mais a metade será apenas eu. E a falta como sombra que me assusta. Quero ser plena e parir os sons de um quilombo de mim).


O anjo estava alí na praia, enquanto o dragão me deixou. E ele se foi, deixando o seu coração a pulsar na minha mão, guardado em concha. E o anjo se foi, deixando-me suas asas para que eu voasse além das dores. E eu adormeci feliz como a que pariu distância e sobreviveu a elas. 


O amor me trouxe de volta, o amor pelo amor, me devolveu as falas e preencheu minhas faltas e ele já não era comigo. E nem assim eu morri, porque já me bastava o só".


Dira Vieira.

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

O amor soletra saudade e chora


Tinha a impressão de ter visto o anjo ali, quando fechei os olhos para chorar. Sim, podia ser ele. Senti quando um vento tomou-me por surpresa e me tocou as costas. Ele. E a minha dor fez a canção que eu tinha de melhor, verbo entalando na garganta como um grito de socorro.

Não poderia dizer para mais ninguém o que só ele poderia entender. Como essa música... um aboio que se canta sozinho, na varanda de casa, de frente ao portão quando todas as pessoas já foram embora. 

E nada que me acene capta em mim essa ausência. E nada que eu tome pode medicar a saudade. Essa coisa estranha que é se sentir pela metade quando nunca se foi um inteiro. 

Só sei que a tua boca tem a exata dimensão da volta e da minha. O peito se aperta enquanto os olhos desenham uma estrada de silêncio até o teu coração. Estrada sem volta...

Eis-me domando os ventos e orquestrando o silêncio dos dias em que passo sem ouvir, ver, tocar, falar , sonhar contigo. 

E qualquer conselho, e qualquer ordem e qualquer fala estranha pode sim não entende que as dores permanentes, as dores agudas misturadas não pintam quadros, nem desenham paisagens mas nos afogam em imensas ordens de sossega, sossega, coração. Eu sou a luta de levantar e seguir e outra luta de esperar e esperar...

Sim. Era ele, quando fechei os olhos para chorar, porque todos os dias derramo as tempestades sobre o caminho que ele fez enquanto voou para que os meus rios o tragam, mesmo que nem seja uma volta, mas outro encontro que me deixe navegar por ele... por seu corpo, por sua pele, por suas mãos e sua voz firme que me grita: levante, levante daí, porque é a sua boca em que eu vim mergulhar, como quem toca a fonte de sua emoção.

Eu gritei. E ele ouviu. Mas cansou de ser anjo, pois queria ser pássaro gente também.

Dira Vieira

domingo, fevereiro 19, 2012

Não me importo


...de esperar todas as noites, até que você venha aqui. 

sábado, fevereiro 18, 2012

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

se essa rua...



em mim
fiz estrada de pouso para o teu corpo 
fluir


deite-se sobre mim
sou tua estrada
e a marca
da minha fome 
saciada.


não há em mim outra
fala
e nem 
língua 
que se cale


eu sou
silêncio
e
asas
abertas


se a minha boca
fosse minha
mandava
fazer barulho e festa
na tua presença.


se essa rua, se essa rua...


e a minha amplidão soletra o teu nome
o dia inteiro.


dira vieira

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Emocional






As vezes não tem jeito. O tempo fecha. O dia finda. E você percebe que por mais que tenha preenchido as suas fugas, o espaço dele ainda está ali, em vácuos de permanência latente.


Em mim, as esperas cansam e os lábios secam de tanto lamber a palavra cria. 


Essa falta que me arde, tem a estatura e a dimensão da sensibilidade do homem que veste asas e desfila amor em minha companhia.

Dira

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Ali no longe



E toda vez que sofro, sou você. E toda vez que me reviro no viver, sou eu. Mas todas as vezes que pensar cheiros, seu nome é o que pinto em lilás na minha saudade sobre todas as coisas que recrio.

(quando te vejo o meu azul veste a tua pele e sai nu por ai)

Ali, naquele lugar onde o abismo era a tua palavra, deixei para sempre os meus pés na calçada, porque o que é de mim, vem atrás, e o que não me pertence desce a rua e dobra a esquina para nunca mais. 

O que conto de nós é essa saudade e cartas escritas no imaginário profanando sonhos, promessas de luas cheias e verbos conjugados.

Chegamos tarde em todas as vidas e ali, o retrato da família se expande em um letreiro em neon. Lar, doce lar é o aviso de cão feroz no quintal. E o meu olhar se despede e volta, com a covardia da sobrevivência a calçar as asas que se atrofiam diante da impossibilidade do beijo.

... toda a vez que acender o batom como cigarro em uma noite insone, lembrarei o beijo que fiquei devendo ao senhor do tempo e do mar. 

O meu amor, esse, abriu as asas e se escondeu de mim.

Dira Vieira 

Gomos de saudade




Alguns pedaços em Madalena são como gomos de uma laranja, onde o suco escorre como se o mundo fosse um espremedor agressivo e impiedoso. E é. Ela deixa escorrer o medo e se desfaz em voltas que as rimas formam em sua cabeça – há ventos no céu da boca quase insuportáveis de administrar, ela comanda os próprios furacões e nada posso fazer aqui de fora, já que todas as suas falas pronunciam o nome dele. Anda sozinha, sorri sozinha e as vezes até é monstro sozinha: cada passo é em falso e um precipício chamando o outro, conta estórias que não quer esquecer. Não pode reativar os laços porque na verdade, tudo nela é o contrário e desliza desejos, mas se inspira na falta e a palavra dele é cântaro suave naquela janela. Gosta de ler o moço quando a saudade é poesia concreta ardendo na boca.

Madalena cansa das escolhas que faz e mete o verbo no chão com medo do que é possível, como se isso fosse cacos de idéias e relatos de uma paixão. Todas as palavras se ressentem da inspiração que só ele lhe sussurra. (E quando voava ao lado dele, nunca a inspiração foi tão farta e a alma tão leve nas promessas dos beijos futuros).

Ela finge que nem lembra, mas cada vez que olha, o atrás é seu espelho e pesadelo. A boca dele em concha é o alimento tátil e a sua prestação mais sofrida. Quando o amor resseca na boca, é necessário antibióticos fortíssimos para sarar as ausências. Não sei como sobreviveu sem estrelas até agora. 

Quando caminha, a volta é o frio e todas as portas traduzem gritos, quem é ela para compor o intervalo e pedir que ele olhe o retrovisor? O que sinte já nem faz eco, e a letra que soletra já não escreve o nome dele porque esqueceu de suas vogais. Uma lacuna e um verso não escrito, milhas e milhas de rimas que tentou compor e era cara aquela falta. 

Há curvas no tempo e todas as vezes que tenta, o soneto é tempo no verbo passado, que bem podia ser perfeito. 

(Uma roda de amigos, conversas ao vento, o pensamento nela, e o moço sentado na frente da televisão compunha uma novela que nunca teria final, muito menos feliz. Esqueceu que não sabia inglês, e o The End ficou sem eco, pixado no muro em frente ao hotel). 

Madalena se ressente do que não viveu e a sua alma soletra a poesia rota que o tempo atropelou e marcou a carne viva.

Toda vez que canta pensa no ontem. E cada vez que grita, as paredes de sua pele reeditam o dia em que, o que não volta, faz sombra pela eternidade. Nunca esquecerá que no abraço descobriu outros mundos e outras paisagens invisíveis. E isso será imputado em sua culpa para o sempre. E o presente dado, não pode ser devolvido, porque já pertence ao cenário do pesadelo.

Prefere as cenas, reescreve os diálogos: toda a falha é síntese que ela não consegue reemprimir páginas arrancadas bruscamente de si. O livro é antigo, e a história sempre começa pelo fim sem direito a reprise de inconseqüências. Ainda bem que o beijo quando nunca, repete-se no final.

Madalena tem sonhos em vantagem e toda intenção é o receituário de escolhas. Sabe o que faz todas as vezes que volta. E a essa despedida arranha na pele como viagem sem volta – o bilhete é só de ida e o destino, incerto.

- os cachos em seu cabelo são como maçãs desse rubor facial. liga o play e tudo lhe revira o estômago e vomita o morno.

Em todos os dias em que não se desenha na fita, Madalena é angústias de uma alegria passada. Não se pode condenar o tempo por promessas não pagas. 

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Campo de pouso



Ele me calou com o dedo molhado de café em minha boca. Não dissemos uma palavra. Não havia mais nenhuma para ser dita. Tudo estava como deveria estar desde o primeiro dia. Não há o que se esperar da covardia das pessoas. Eu sempre tive a sorte (ou não) de ter covardes para o jantar.

Aquilo não foi uma despedida. Aquilo nem sequer era alguma coisa que se pudesse contar em alguma história de amor. O moço dobrou a esquina e sei que sofria. Mas em mim a covardia dele era um prato amargo de se consumir.

Eu quis gritar. Quis ir atrás, implorar, acho que metade de mim foi com ele e ainda assim, eu quis ir por completo. Mas era pouco o que eu sentia para ir com ele  naquela aventura de silêncios.

A dor era tão grande que chegava a desenhar vulcões em erupção sobre a minha pele. Pele de dores e de desencantamento. Vi tudo o que estava por trás como se fosse a mim revelado toda a farsa da covardia.

Eu chorei. E morri os dias seguintes até que conseguisse sepultar todos os meus mortos e as minhas lágrimas amargas e tão desnecessárias. Mas sou assim mesmo... o tempo de luto é o tempo de recompor meus limites.

Quando o dia amanhecer após uma noite longa de choro e de dor... eu ainda estava ali, esperando por ele, o mesmo moço que morava em mim, mesmo depois de ter tentado colorir outra cor, onde a pele dele era a minha tatuagem perfeita em minha alma e pele.

E todos os dias, alimento a partida, como único recurso para chamar para mim a parte que foi e que me faz falta quando espero os dias úmidos em minhas entranhas para agasalhar o frio de alimentar sonhos... antes que a parte que me cabe também vá em homenagem a ele. 

Dira.