domingo, abril 22, 2012

O tempo é só

As vezes fico em duvida se uso a Madalena ou se abro o verbo para dizer da dor que me corroi o estômago. É Madalena em sua boca carnuda, suas pernas grossas, seus cabelos longos e enrolados ou sou eu, essa pessoazinha largada nessa cama sentindo uma vontade imensa de morrer. Ou menos que isso, cortar os pulsos da palavra e dizer basta à esses sonhos juvenis.

O verbo, Madalena, é essa mentira que afofa a nossa cama mais não alimenta o nosso corpo. Ele continua pedindo, implorando algo que não existe e talvez não vá existir. E ai você inventa uns sons, espera a chuva cair e vira criança se molhando na esperança de acreditar que seu primeiro amor seria aquele que te resgataria de todas as tuas culpas.

Você vai gastar o seu verbo, Madalena. Vai dizer todo o alfabeto,  vai recitar a coragem ao ouvido dele... vai dizer para ele o quanto ele pode e vai conseguir... mas ao final, ele consegue. E ele vai embora, porque você Madalena é apenas as asas que Deus deu aos outros... e não a você.

A noite tem esse  poder de te isolar, Madalena e por mais que você chore e lamente com pena de si mesma, isso não vai ter a menor importância. Porque cada suor seu e cada lágrima que você derramou nessa caminhada só interessa a você mesma. Eles nem vão se importar com o rótulo que a vida vai lhe dar...

Nenhuma das tuas lágrimas vai encher o que você tem de fundo.

Eu estou sozinha, Madalena.
E você, sozinha comigo, pode nem achar graça dessa dor que me parte ao meio e me diz o tempo todo que o som da madrugada não é consolo é pesadelo.

Eu não morrer, Madalena. E sei que nem você. Mas as nossas asas nunca nos ensinaram que nós mesmas podíamos voar sozinhas....

Mas de que adianta não é? A noite é vã, a superficialidade ronda as rodas da cidade e nós, Madalena, continuamos esperando o asteroide B612, como crianças que não chegaram a crescer;

sábado, abril 07, 2012

Lua Nua


Quando o carro buzinou em frente do prédio, Madalena pulou da cama. Chega de choro, vamos às ruas. Pegou sua pequena bolsa que no momento estava em poder do poodle que a puxara de cima da cama e mandou beijos para mim fazendo gestos com a mão. - Que horas vem? Gritei. - E eu vou lá saber? Sei lá se o papo é interessante? Ah, deixa eu ir, que meu amigo me espera.

Enquanto ela descia as escadas, prédio de três andares, a ansiedade de Madalena saiu deixando cheiro pelos corredores. Era um cheiro amadeirado. De onde vinha, eu não sabia. Mas abri a porta para deixar que a presença dela ficasse dando voltas de ir e vir. 

Prender Madalena? Só o amor que tinha esse poder. Mesmo assim era temporário.Não se prendia Madalena.  

[não te disse que a gaiola não prende e sim a porta aberta?]

Segui Madalena pelo cheiro. Não temos como nos separar. Ela vai, eu vou junto, como açude que sangra e as águas vão levando tudo que estiver pelo caminho. Eu vou junto, com a enchente que emana de seus poros e nem me seguro nos galhos que esbarro pela frente.

Ontem com o coração apertado, a pressão alta, e a cabeça vazia, eu a acompanhei em seu encontro. Na calçada, um rapaz dentro do carro a esperava. Alto, esguio, de óculos, figura bonita, sorriso largo, pele branquinha... Quando entramos, ele a beijou educadamente no rosto. A mim ele não viu. Só Madalena me sentiria naquele momento.

Queria sair das ruas. Queria ir para o apartamento dele. Talvez ouvir uma boa música, tomar um bom vinho, conversar amenidades. Não era sexo. Nada que fizesse ligação ou menção a isso. Por que os homens sempre acham que levar para casa era a concordância silenciosa de sexo? Não fazia sentido. Madalena só queria fugir em boa companhia. Conversar a noite inteira. Ninguém a esperava em casa. Senão eu, em corpo. 

Pensou em propor mudar o roteiro. Ao invés da pista de dança, o aconchego de quatro paredes. Queria se esparramar no chão de alguma sala, discutir uma peça de teatro. Um filme. Uma música. Viu como andam as pessoas pelas ruas de São Paulo, tão assustadas olhando para os lados. Observou como elas seguram as bolsas? Diferente das que andam no comércio de qualquer cidadezinha do inteiror? Nada. Só a vida, o dia a dia. André, o moço que a esperava no carro, era apenas o seu amigo. Haveria sexo entre amigos? O que temem os homens ao se guardarem das amigas?

Madalena fizera silêncio durante o trajeto, até esbarrarem na entrada da boate. Um lugar aconchegante, meia luz, seguranças na porta, uma moça gentil veio nos receber. André desceu do carro, abriu a porta para Madalena e ficou tonto quando sentiu o seu cheiro. Ela estava linda. Por um momento, André quis esquecer que eram apenas amigos. Bons amigos.
  
Eu me agarrei a ela com medo de ser deixada no banco de trás. Entramos. Carla Bruni cantava quase que sussurrando como música ambiente. Como podia isso? Ia acabar com Madalena. Se ela tomasse um vinho, fragilizada que estava ia pegar mal.

E se ela não se contivesse e beijasse André? E se ele a recusasse? E se pensasse que ela estaria apaixonada? E se no outro dia ele sumisse de vista? E se ele pensasse mal dela? E se ela chorasse quando se embriagasse? E se risse demais, escandalizaria o ambiente? Madalena queria mesmo era o aconchego do seu apartamento. Para chorar, como queria naquela bendita noite. E isso, não implicaria, nem de longe a fazer sexo com André.

Quando o vinho já fizera um certo efeito, vi Madalena sorrir intensamente. Menos mal, poderia chorar, como seria o óbvio pela dor de sentia. Mas ela sorria das reservas do André. Quando ele a chamou para dançar, sob a induções dela, Madalena ajeitou as madeixas sobre os ombros, e dirigiu-se ao salão do dancing desejando ardentemente que fosse ele, o seu amor do Rio.

A música a conduzia, como pluma nos braços de André. E ele se permitiu, ao menos aquela noite, ser daquela mulher, em corpo, amizade, e coração. Porque de Madalena seria difícil fugir estando ela envolvida nas teias do vinho e da sedução. Que importava o dia de amanhã, se o vinho era bom e não prometia mal estar?